Teruna e Jaciara
(Autor: João Santana)
Dentro da mata fechada,
A tribo
Camaiurá
Tinha uma aldeia chamada
Tinha uma aldeia chamada
Pelo nome de Tingurá,
Onde o pajé conduzia
Seus rituais de magia
Com plantas medicinais
E chocalhos de serpentes
Com dons espirituais.
O pajé também fazia
Os rituais da floresta
Quando alguém da tribo agia
De maneira desonesta,
Pois, durante o ritual,
Ele ia ao plano astral
E tudo podia ver,
Assim, todos o temiam,
Sabendo que não podiam
Nada de errado fazer.
O cacique era o mais forte
Dentre os homens da aldeia,
Não tinha medo da morte,
Nem fazia cara feia,
Porém era muito rente
Com os índios, exigente,
Para que a paz prosperasse,
Fazendo com que o respeito
Desse a todos o direito
De ter a honra na face.
As índias sempre pintavam
Os rostos, os braços, as coxas,
Com tintas que retiravam
De folhas verdes e roxas
Que nasciam encostadas
Aos chãos onde eram plantadas
Vigorosas mandiocas,
Elas cuidavam das roças
E limpavam as palhoças,
Que eram chamadas de ocas.
Já, os índios se empenhavam
Em ser grandes caçadores,
Nas matas virgens entravam
Cruzando espinhos e flores,
Sob as sombras dos paus-d’arco,
Cada um levava um arco
Com flechas para abater
Anta, macaco ou esquilo,
Mas só caçavam aquilo
Que fossem mesmo comer.
Eles pediam licença
Para a mata penetrar,
Por terem em sua crença
Que a floresta era um altar
E, nesse altar, em cada planta
Era uma imagem santa
Representando a bondade,
Assim, eles só colhiam
Os vegetais que iriam
Usar por necessidade.
O teto de cada oca
Era feito de sapé,
As janelas de taboca
E o chão batido a pé,
Tinha esteiras estendidas,
Todas elas produzidas
Da palha do buriti,
De ipê as armações
E as cestas e matulões
De palha de açaí.
Eles comiam caju,
Jaca, cacau, araçá,
Tucumã, cupuaçu,
Cajuí e piquiá
Plantavam fava e feijão
E tinham a tradição
De produzir mandioca
Para cozer e comer,
Fazer farinha e fazer
A massa da tapioca.
Naquela aldeia morava
Uma índia tão formosa
Que aos índios enfeitiçava
Com sua pele cheirosa,
Dona de beleza rara,
A cabocla Jaciara,
No auge da mocidade
Havia de se casar,
E o índio tinha que dar
Conta da sua vontade.
A cada jovem que ia
Se casar em seu percurso
Na aldeia se fazia
Uma espécie de concurso
E, nessa competição
Repleta de emoção,
Que tinha clima de festa,
Os homens tinham que ir
Sem ter medo de dormir
Cinco noites na floresta.
Podiam levar consigo,
Cada um, só um bastão,
Para cruzar o perigo
Vindo da escuridão
E tinham que retornar,
Cada um, com um cocar
De penas de bacurau,
Com o bacurau também,
Pois, não podia ninguém
O passarinho matar.
Cinco noites e seis dias
Era o tempo permitido
Para que, com garantias,
Cada um tivesse ido
E conseguido fazer
Uma arapuca e prender
Um bacurau dentro dela,
Tirando as penas do bicho
E, após, feito com capricho
Um cocar de forma bela.
O cocar era guardado
Na oca de pau-a-pique,
Para um dia ser usado
Pelo futuro cacique,
Pois, se quem fez o cocar
Um dia fosse ocupar
O lugar de liderança,
Ganharia do cacique,
Na oca de pau-a-pique,
O cargo de confiança.
Conforme a tradição deles
A competição não era
Para içar briga entre eles
Nem levá-los à tapera,
Mas para que cada um
Desse valor incomum
À mulher com a qual fosse
Se casar e gerar filhos,
Em um lar cheio de brilhos,
Vivendo uma vida doce.
Pela ordem de chegada,
Cada índio que chegava
Escolhia sua amada
E com ela se casava,
Isso é só se tivesse
Feito um cocar que pudesse
Ser futuramente usado
Simbolizando a firmeza,
A astúcia e a certeza
Dum cacique preparado.
Na aldeia havia um jovem,
Teruna, bom caçador,
Daqueles que se comovem
Quando o assunto é amor.
Após três dias e meio,
O índio Teruna veio
Trazendo um lindo cocar,
Além de ter sido o dele
O mais bonito, foi ele
O primeiro a regressar.
Depois que todos voltaram,
Alguns sem os seus cocares,
Os índios iniciaram
Seus rituais seculares
E Teruna, o campeão
Daquela competição,
Pintou o corpo e a cara,
Cantou, dançou e se mexeu
E, certamente, escolheu
Se casar com Jaciara.
Teruna era habilidoso
Usando o arco e flechas,
Qualquer animal custoso
Com ele não tinha brechas,
E, além do caçador,
Era grande pescador
E construtor de canoas,
Todas aquelas que ele
Fazia na oca dele
Terminavam muito boas.
Jaciara, um dia, entrou
Na mata, foi colher frutos
E lá se paralisou
Por mais de sete minutos,
Quando o espírito da mata
Surgiu de forma inexata
Lhe revelando um segredo:
- Prepare sua fortuna
Porque seu índio Teruna
Morrerá amanhã cedo.
Ela pensou: - Que fortuna
Tenho, senão a beleza,
O carinho de Teruna
E as lições da Natureza?
Mas, porque Teruna irá?
Será que em seu peito há
Algum tipo de feitiço?
Se nada posso fazer
Para ele não morrer,
Vou me conformar com isso.
Jaciara retornou
À oca muito sofrente,
Com Teruna se abraçou
E se sentiu descontente,
Pois, a alma da floresta,
Sem rodeio, nem aresta,
Não costumava blefar,
Quando alguém via seu vulto
Revelar um fato oculto,
Não tinha como evitar.
Mas, Jaciara não quis
Deixar Teruna partir,
Nem se sentir infeliz
E foi ao pajé pedir
Que fizesse um ritual
E que fosse ao plano astral
Descobrir por qual razão
O índio Teruna iria
Morrer ao nascer do dia,
Buscando uma solução.
O pajé não costumava
Agir sem programação
Mas, notou que a moça estava
Pedindo de coração
E correspondeu ao pleito,
A ela dando o direito
De participar também
Da sessão de pajelança,
Para unir sua esperança
Com as forças do além.
O pajé pegou três flores,
Duas folhas e um galho,
Chamou três índios cantores
E balançou um chocalho,
Cantou um canto, tão forte
Que dele fez o transporte
À dimensão elevada,
Lá onde os anjos residem
E as visões não se dividem
Tudo é verdade, mais nada.
Lá, então, o pajé viu
Como se daria o drama
E, ao voltar, advertiu
Jaciara sobre a trama,
Dizendo: - Filha, cuidado,
Pois um índio, no passado,
Queria ser seu marido,
Mas, como não conseguiu,
De inveja se cobriu
E, hoje, está enfurecido.
O pajé foi contar tudo
Pro cacique, bem ligeiro,
E, ao falar o conteúdo
Do ritual rotineiro,
O cacique reuniu
Três índios, aos quais pediu
Que ficassem observando
A oca de Jaciara,
Na noite de Lua clara,
Até verem o Sol raiando.
Os índios obedeceram
Do cacique a ordem sã,
Para não dormir, comeram
Guaranã com mirantã,
Ficaram tão acordados
E bem posicionados
Que podiam perceber
Até mesmo o movimento
De um sapo sonolento
Que viesse a se mexer.
Quando foi de madrugada
O invejoso chegou,
Mas, não pode fazer nada,
Pois um índio o avistou
E os três índios o pegaram
E pro cacique o levaram
Para findar o esquema
E resolver a questão,
Para o invejoso não
Causar mais nenhum problema.
Teruna estava dormindo
Durante todo o enredo,
Porém, acordou ouvindo
O barulho, logo cedo,
E ficou desconfiado
Por não ter visto a seu lado
Sua adorada consorte,
Preocupado ficou,
Que em tudo de ruim pensou,
Até nos males da morte.
Porém, em poucos minutos
Um índio veio chegando
E, com olhares astutos,
Disse: - Vá se acalmando,
Que Jaciara está bem
E, posso dizer além,
Que está lhe esperando agora.
O cacique me mandou
Vir lhe chamar e já vou
Voltar pra lá agora.
Teruna foi ao local
Para saber a verdade,
Pois, não achava legal
Toda aquela novidade
E, quando soube do fato,
Passou a ser muito grato
À sua linda mulher
E a ela falou atento:
- Sendo por ti, eu enfrento
Tudo o que der e vier!
Aquele que desejava
Se casar com Jaciara,
O índio que se chamava
Pelo nome Tuiunara,
Foi obrigado a ficar
Dois meses em um lugar
Das florestas virginais,
Sem levar nada consigo,
Ficando exposto ao perigo
Dos famintos animais.
O castigo atribuído
Pelo chefe das aldeias
Permitia ao excluído,
Após duas Luas cheias,
Voltar à tribo e tentar
Uma vida regular
Sem agir maldosamente,
Se conformando em viver
Sem o direito de ser
Cacique futuramente.
Tuiunara atravessou
Os dois meses na floresta
E, depois que regressou,
Passou a ser gente honesta,
Tendo se arrependido
Do desleixo cometido
De tentar matar Teruna
E descobriu, em seguida,
Que o amor é da vida
A verdadeira fortuna.
Apesar de muita gente
Achar que os índios são rudes,
Jaciara comprovou
Que tinha reais virtudes
E transmitiu o recado:
Nosso
destino é traçado
Pelas
nossas atitudes.