sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Torquato Neto - Poeta Tropicalista

Cogito

Torquato Neto



eu sou como eu sou

pronome

pessoal intransferível

do homem que iniciei

na medida do impossível





eu sou como eu sou

agora

sem grandes segredos dantes

sem novos secretos dentes

nesta hora





eu sou como eu sou

presente

desferrolhado indecente

feito um pedaço de mim





eu sou como eu sou

vidente

e vivo tranqüilamente

todas as horas do fim.



Torquato Pereira de Araújo Neto nasceu em Teresina (PI), no dia 09 de novembro de 1944. Foi contemporâneo de Gilberto Gil no colégio em que estudou, em Salvador, tornando-se amigo do compositor e conhecendo também os irmãos Caetano Veloso e Maria Bethânia. Em 1966 mudou-se para o Rio de Janeiro, começando seus estudos de Jornalismo. Mesmo sem ter concluído o curso, iniciou-se na profissão trabalhando em diversos jornais cariocas, tendo criado e redigido a coluna "Geléia Geral" no jornal carioca "Última Hora". Um dos criadores do movimento tropicalista, é o autor de inúmeras letras de músicas de sucesso, entre as quais destacamos "Mamãe, Coragem", "Geléia Geral", "Domingou", "Louvação", "Pra dizer adeus", "Rancho da rosa encarnada" e "Marginália II".



Em 10 de novembro de 1972, suicidou-se deixando o seguinte bilhete: "Tenho saudade, como os cariocas, do dia em que sentia e achava que era dia de cego. De modo que fico sossegado por aqui mesmo, enquanto durar. Pra mim, chega! Não sacudam demais o Thiago, que ele pode acordar".



Em 1973, ocorreu a publicação póstuma de seu livro "Os Últimos Dias de Paupéria", organizado por Ana Maria Silva Duarte e Waly Salomão. Três anos depois, alguns de seus poemas foram incluídos na antologia "26 Poetas Hoje", organizada por Heloísa Buarque de Hollanda. Em 1997, foram publicados quatro de seus poemas na antologia bilíngüe "Nothing the Sun Could Not Explain", organizada por Michael Palmer, Régis Bonvicino e Nelson Ascher.



O poema acima foi publicado no livro "Os Últimos Dias de Paupéria", Max Limonad - Rio de Janeiro, 1973, e selecionado por Ítalo Moriconi para figurar no livro "Os cem melhores poemas brasileiros do século", Objetiva - Rio de Janeiro, 2001, pág. 269.

Outros poemas de Torquato Neto:

Marginália II

(música gravada por Gilberto Gil com os Mutantes em 1968)

Eu, brasileiro, confesso

Minha culpa, meu pecado

Meu sonho desesperado

Meu bem guardado segredo

Minha aflição



Eu, brasileiro, confesso

Minha culpa, meu degredo

Pão seco de cada dia

Tropical melancolia

Negra solidão



Aqui é o fim do mundo

Aqui é o fim do mundo

Aqui é o fim do mundo



Aqui, o Terceiro Mundo

Pede a bênção e vai dormir

Entre cascatas, palmeiras

Araçás e bananeiras

Ao canto da juriti



Aqui, meu pânico e glória

Aqui, meu laço e cadeia

Conheço bem minha história

Começa na lua cheia

E termina antes do fim



Aqui é o fim do mundo

Aqui é o fim do mundo

Aqui é o fim do mundo



Minha terra tem palmeiras

Onde sopra o vento forte

Da fome, do medo e muito

Principalmente da morte

Olelê, lalá



A bomba explode lá fora

E agora, o que vou temer?

Oh, yes, nós temos banana

Até pra dar e vender

Olelê, lalá



Aqui é o fim do mundo

Aqui é o fim do mundo

Aqui é o fim do mundo

O Poeta é a Mãe das Armas



O Poeta é a mãe das armas

& das Artes em geral —

alô, poetas: poesia

no país do carnaval;

Alô, malucos: poesia

não tem nada a ver com os versos

dessa estação muito fria.



O Poeta é a mãe das Artes

& das armas em geral:

quem não inventa as maneiras

do corte no carnaval

(alô, malucos), é traidor

da poesia: não vale nada, lodal.



A poesia é o pai da ar-

timanha de sempre: quent

ura no forno quente

do lado de cá, no lar

das coisas malditíssimas;

alô poetas: poesia!

poesia poesia poesia poesia!

O poeta não se cuida ao ponto

de não se cuidar: quem for cortar meu cabelo

já sabe: não está cortando nada

além da MINHA bandeira ////////// =

sem aura nem baúra, sem nada mais pra contar.

Isso: ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. a

r: em primeiríssimo, o lugar.





poetemos pois



torquato neto /8/11/71 & sempre.



A rua



Toda rua tem seu curso

Tem seu leito de água clara

Por onde passa a memória

Lembrando histórias de um tempo

Que não acaba



De uma rua, de uma rua

Eu lembro agora

Que o tempo, ninguém mais

Ninguém mais canta

Muito embora de cirandas

(Oi, de cirandas)

E de meninos correndo

Atrás de bandas



Atrás de bandas que passavam

Como o rio Parnaíba

O rio manso

Passava no fim da rua

E molhava seus lajedos

Onde a noite refletia

O brilho manso

O tempo claro da lua



Ê, São João, ê, Pacatuba

Ê, rua do Barrocão

Ê, Parnaíba passando

Separando a minha rua

Das outras, do Maranhão



De longe pensando nela

Meu coração de menino

Bate forte como um sino

Que anuncia procissão



Ê, minha rua, meu povo

Ê, gente que mal nasceu

Das Dores, que morreu cedo

Luzia, que se perdeu

Macapreto, Zé Velhinho

Esse menino crescido

Que tem o peito ferido

Anda vivo, não morreu



Ê, Pacatuba

Meu tempo de brincar já foi-se embora

Ê, Parnaíba

Passando pela rua até agora

Agora por aqui estou com vontade

E eu volto pra matar esta saudade



Ê, São João, ê, Pacatuba

Ê, rua do Barrocão



Literato cantabile

agora não se fala mais

toda palavra guarda uma cilada

e qualquer gesto pode ser o fim

do seu início

agora não se fala nada

e tudo é transparente em cada forma

qualquer palavra é um gesto

e em minha orla

os pássaros de sempre cantam assim,

do precipício:

a guerra acabou

quem perdeu agradeça

a quem ganhou.

não se fala. não é permitido

mudar de idéia. é proibido.

não se permite nunca mais olhares

tensões de cismas crises e outros tempos

está vetado qualquer movimento

do corpo ou onde quer que alhures.

toda palavra envolve o precipício

e os literatos foram todos para o hospício

e não se sabe nunca mais do mim. agora o nunca.

agora não se fala nada, sim. fim. a guerra

acabou

e quem perdeu agradeça a quem ganhou.

21-10

Agora não se fala mais

toda palavra guarda uma cilada

e qualquer gesto é o fim

do seu início:

Agora não se fala nada

e tudo é transparente em cada forma

qualquer palavra é um gesto

e em sua orla

os pássaros de sempre cantam

nos hospícios.

Você não tem que me dizer

o número de mundo deste mundo

não tem que me mostrar

a outra face

face ao fim de tudo:

só tem que me dizer

o nome da república do fundo

o sim do fim

do fim de tudo

e o tem do tempo vindo:

não tem que me mostrar

a outra mesma face ao outro mundo

(não se fala. não é permitido:

mudar de idéia. é proibido.

não se permite nunca mais olhares

tensões de cismas crises e outros tempos.

está vetado qualquer movimento



Let’s Play That

quando eu nasci

um anjo louco muito louco

veio ler a minha mão

não era um anjo barroco

era um anjo muito louco, torto

com asas de avião

eis que esse anjo me disse

apertando a minha mão

com um sorriso entre dentes

vai bicho desafinar

o coro dos contentes

vai bicho desafinar

o coro dos contentes

let’s play that



da Série "Sintonia de nossa Sincronia"

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